GLÓRIA PARAÍSO
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| Foto: Divulgação |
Exposição na Casa Aerada Varjão revela a força poética e política de uma
artista veterana, em produção discreta há duas décadas
A partir de sábado, 16/08, a
charmosa Casa Aerada Varjão recebe a exposição Glória Paraíso, com
curadoria de Renata Azambuja e Gladstone Menezes. A mostra apresenta ao público
três vertentes selecionadas da produção da artista Glória Pimenta da Veiga –
que, ao assumir o nome Glória Paraíso, reinventa não só sua assinatura como
também seu lugar na arte contemporânea brasileira.
Com
obras intensamente ligadas à memória, ao corpo, à linguagem e à história,
Glória desenvolve o que define como “desenho-escultura-fina”, uma técnica em
que “cava” delicadamente a superfície escura até fazer emergir o traço. O
resultado é de uma densidade emocional e estética rara, que revela camadas
simbólicas, afetivas e políticas. “Desenhar sempre foi meu encantamento, minha
forma de me comunicar, de desabafar. Meu pai e meus tios maternos eram exímios
desenhistas. Sempre fui curiosa, sempre desenhando. Morriam entes queridos e eu
os desenhava até passar o luto”, conta a artista.
Filha de
uma tradicional família mineira, Glória cresceu em meio à força de um
imaginário barroco, masculino e religioso, que atravessa toda a sua obra de
maneira crítica e poética. “O barroco mineiro sempre esteve presente para mim:
Ouro Preto é a terra da minha mãe, e lá as igrejas exercem uma enorme
influência sobre as pessoas”, explica.
Nesse sentido, a série Desvio
do Dândi, concebida em 2014, parte de um gesto de confronto simbólico: a
artista retrata os rostos dos soldados romanos esculpidos por Aleijadinho nos
Passos da Paixão, em Congonhas, reinterpretando-os como figuras grotescas,
maquiadas, híbridas entre o sagrado e o pop. Sua intenção é subverter a imagem
do poder masculino tradicional, aproximando a estética barroca mineira da
cultura de massa, num jogo visual que ironiza e tensiona hierarquias
históricas. “Esses soldados me chamavam atenção há muito tempo. São os que
torturaram Jesus. Os Dândis aconteceram quando resolvi aproximar dois gigantes:
Aleijadinho e Andy Warhol”, comenta Glória. A força desses retratos, exibidos
em backlights, provoca o público a encarar de frente os rostos da opressão –
agora ressignificados com ambiguidade e ironia.
Já a série Cavalheiros do
Grande Vidro mergulha na herança do dadaísmo e no universo de Marcel
Duchamp, especialmente na obra A noiva despida pelos celibatários,
mesmo. Aqui, Glória investiga, com seu traço cortante, as relações entre
desejo, identidade e máquina, trazendo à tona figuras despersonalizadas,
atravessadas por tubos, filamentos e conexões, como metáforas de um erotismo
automatizado e solitário. A artista recria os celibatários duchampianos em um
cenário onírico e fraturado, onde a presença humana é evocada mais pela
ausência do que pela forma. “Assim como Warhol, os retratos me interessam acima
de tudo. Quando me vem a necessidade de abordar um tema, geralmente o faço por
meio de retratos. E, pra mim, artistas como Warhol ou Ney Matogrosso, que se equilibram
no fio da navalha entre arte e absurdo, têm um especial gostinho”, provoca.
Realizada durante a pandemia de
Covid-19, a série Cartazes transforma a vivência do isolamento
da artista em documento histórico e político. Os trabalhos apresentam textos e
discursos emblemáticos, como os de Dilma Rousseff e João Goulart, inscritos no
verso de pinturas criadas sobre placas que evocam os cartazes escolares. As
obras propõem uma reflexão sobre memória e verdade, articulando elementos da
história recente brasileira com a subjetividade da artista. “Nos cartazes eu me
permito tudo! O que faço num cartaz talvez não fizesse numa tela, por exemplo.
Os temas não são aleatórios, são aqueles que desejo que estejam na memória do
futuro”, diz Glória.
Para a curadora Renata Azambuja,
“essa série está relacionada aos modos de comunicar ideias, à forma dos
cartazes escolares, mas também é atravessada por uma carga política muito
clara. Glória escreve no verso os discursos. A pintura na frente dialoga com essa
escrita. É um corpo político, íntimo, um testemunho afetivo do tempo.”
A curadoria de Renata Azambuja e
Gladstone Menezes acompanha Glória desde 2014, quando foram convidados pela
artista para elaborar um projeto de exposição. Agora, mais de uma década
depois, o reencontro entre os três acontece de forma íntima e independente, na
Casa Aerada – espaço escolhido por Glória por sua atmosfera acolhedora. “Ela me
chamou novamente depois de muitos anos. A Glória é tímida, mas determinada.
Escolheu a Casa Aerada porque se sente confortável lá, por ser um espaço menor,
mais íntimo, que combina com ela. Estamos fazendo tudo sem patrocínio, com o
apoio afetivo e a força do desejo”, relata Azambuja. “A exposição é também um
gesto de reconhecimento – da força do trabalho dela, da coragem de se afirmar
aos 70 anos com a mesma potência de sempre. O que o público vai ver é uma
artista que nunca parou de produzir e que agora se mostra por inteiro, com
humor, densidade e ironia.”
Para o curador Gladstone Menezes,
o processo de concepção da exposição foi também uma jornada pessoal e crítica.
“Mergulhar no universo visual e conceitual de Glória me propiciou retomar
leituras quase esquecidas, como Aleijadinho e o barroco mineiro, o dadaísmo de
Duchamp ou a pop art de Andy Warhol”, afirma. Ao longo do processo curatorial,
Gladstone reviu sua própria percepção sobre temas como identidade, gênero e
política também. “O que me estimula nessa mostra é justamente a sua capacidade
de falar sobre identidade, desejo e resistência, com humor, crítica e lirismo
na medida. Curar Glória Paraíso foi, sobretudo, “um gesto de reverência ao
olhar singular da artista”.
SERVIÇO
Exposição Glória Paraíso
Curadoria: Renata Azambuja e Gladstone Menezes
Abertura: 16 de agosto de 2025, das 17h às 22h
Visitação: de 17 de agosto a 28 de setembro de 2025
Horário: sextas das 16h às 20h; sábados e domingos das 14h às 19h
Local: Casa Aerada Varjão – Q. 01, Conj. B, Casa 06, Varjão, Brasília – DF
Entrada gratuita

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