Cuidar também cansa: o esgotamento emocional de quem cuida de todos
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| Foto: Divulgação |
Psicóloga alerta para o burnout que
atinge familiares e profissionais sobrecarregados pela rotina de cuidado — um
problema que cresce com o envelhecimento da população
O esgotamento
mental ganhou um novo rosto. Se antes o burnout era associado ao trabalho corporativo,
hoje ele se manifesta em casa, entre pessoas que dedicam seus dias — e muitas
vezes suas noites — ao cuidado de alguém. São filhas, esposas, mães, maridos e
cuidadores que assumem a responsabilidade por idosos, doentes crônicos ou
pessoas com deficiência. Gente que cuida de tudo, mas raramente é cuidada.
Segundo o Instituto
de Pesquisa Econômica Aplicada (IPEA), as mulheres realizam
quase 80% de todo o trabalho de cuidado não remunerado no país.
O Brasil tem mais de 7 milhões de pessoas com algum grau de
dependência funcional, e a maioria é assistida por familiares —
especialmente mulheres entre 35 e 60 anos. A Organização Mundial
da Saúde (OMS) estima que cuidadores informais têm 60%
mais chances de desenvolver ansiedade ou depressão em comparação
com a população geral.
Para a
psicóloga Roberta Passos, especialista em Neuropsicologia
pelo IPQ-FMUSP, esse tipo de exaustão não acontece de um dia para o outro.
“O burnout do
cuidador nasce no acúmulo: na falta de descanso, na culpa por se irritar, na
sensação de não poder parar. Muitas pessoas cuidam movidas pelo amor, mas
esquecem que o amor também precisa de limites. O corpo e a mente cobram essa
conta”, explica.
Roberta lembra
que o desgaste é ainda mais intenso quando o vínculo é familiar.
“Quando o
cuidador é o filho, o marido ou a esposa, a relação de afeto se mistura com o
dever. Surge a culpa por sentir cansaço — e isso impede o pedido de ajuda. A
exaustão passa a ser vivida em silêncio, como se fosse uma falha moral”, diz.
O peso
do cuidado silencioso
Os sinais de
esgotamento costumam ser sutis: cansaço extremo, lapsos de memória,
irritabilidade, insônia, dores de cabeça e sensação de incapacidade.
“O cuidador vive
em estado de alerta permanente. Ele dorme pensando no outro e acorda com medo
de que algo aconteça. Essa vigilância contínua drena energia emocional, e sem
espaço para o autocuidado, o colapso é questão de tempo”, afirma a psicóloga.
Um levantamento
da Fiocruz (2023) com cuidadores de pessoas com
Alzheimer mostrou que quase 70% apresentavam sintomas de depressão
e exaustão emocional. Quarenta por cento relataram também problemas
físicos ligados ao estresse crônico, como hipertensão, gastrite e enxaqueca.
“É uma situação
invisível porque o cuidado ainda é romantizado. A sociedade aplaude quem se
dedica ao outro, mas raramente oferece estrutura para dividir esse peso”,
acrescenta Roberta.
O
cuidado de quem cuida
O impacto não é
apenas emocional. Um cuidador esgotado erra medicação, se irrita com mais
facilidade e tende ao isolamento social.
“Isso fragiliza
o vínculo com a pessoa cuidada e retroalimenta o ciclo da culpa. O que começou
como amor vira uma rotina de sobrevivência”, explica.
A saída, segundo
Roberta, é reconhecer que cuidar é trabalho — e que todo trabalho precisa de
pausas, apoio e reconhecimento.
“Dividir
tarefas, combinar revezamentos e criar espaços de respiro são atitudes
essenciais. Pedir ajuda não é sinal de fraqueza, é uma forma de preservar o
vínculo e a própria saúde mental”, reforça.
Ela defende
ainda que políticas públicas e programas de saúde incluam o cuidador na rede de
atenção psicossocial.
“Precisamos
parar de enxergar o cuidador como extensão do paciente. Ele também precisa ser
olhado, escutado e acolhido. Cuidar de quem cuida é investimento social”,
conclui.
Enquanto o país
envelhece e as famílias assumem papéis cada vez mais complexos, a psicóloga
lembra que reconhecer o cansaço não é ingratidão.
“Cuidar é um ato de amor, mas até o amor exige descanso.”
Sobre
Roberta Passos
Roberta Passos atua há mais de 14 anos
como Psicóloga Clínica e Psicopedagoga, com especialização em Neuropsicologia
pelo IPQ-FMUSP. Atende crianças, adolescentes e adultos em diversas queixas,
entre elas dificuldades de aprendizagem. É referência em temas como
desenvolvimento infantil, saúde mental na era digital e impacto das redes
sociais no comportamento.

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