Meu nome é Laura
São 7h15 da manhã, o despertador não para de tocar. Jorginho acorda um
pouco tonto, olha para a janela de seu quarto e vê que já é dia. Levanta,
escova o dente, vai até a geladeira, pega a garrafa de leite e toma. Um frio na
barriga, uma sensação estranha. Logo lembra que estava no hospital; havia
ficado dois meses em coma. Recorda-se que acordou, foi medicado e seus pais o
trouxeram para sua casa. Ainda continua o arrepio. Olha para o calendário preso
na parede da cozinha. Susto: dormiu três dias sem parar, por isso a fraqueza. Vê
a secretária eletrônica, com várias mensagens. Ele pensa: “Meu Deus, o que
aconteceu comigo?”
Veste uma calça jeans surrada, uma camisa azul escura e um casaco, pois,
apesar de fazer sol, venta muito. Desce pelas escadas, decide dar uma volta a
pé pelas ruas. Outro pressentimento ruim. Carros parados, abertos,
supermercados quebrados, ninguém à vista. Desta vez, Jorginho fala pra si mesmo
em voz alta:
- O que está acontecendo? Onde estão as pessoas?
Decide pegar o celular em seu bolso e ligar para a casa de seus pais,
mas ninguém atende. É como se ele estivesse acordado do sono profundo em outro
lugar.
- Isso é um sonho, não pode ser realidade.
Jorginho caminha pelas ruas e nada. Consegue ouvir o som do próprio
coração. Então, simplesmente senta na calçada e chora. Pensa novamente:
“Poderia ter dado mais atenção à minha família, à minha namorada, ter escrito
um livro ou feito um filme, não devia ter brigado com meus amigos ou bloqueado
aquela pessoa que eu insistia em não ser amigo, mas, no fundo, sabia que
poderia contar com ela. O trabalho do qual eu saí, àquele que eu não quis
pegar, a viagem que por várias vezes foi adiada por falta de tempo”.
De repente!
- Ei, psiu!
- Quem é? - grita Jorginho.
- Olha aqui, atrás de você.
Jorginho se vira. Uma garotinha de roupas sujas, cabelos cacheados e
dourados, bochechuda, olhos castanhos claros, com idade em torno de oito anos.
Ao seu lado, um cachorrinho vira-lata de porte pequeno e de cor marrom.
- O que faz aí, menina, onde estão seus pais?
- Venha pra cá. Logo vai anoitecer e precisamos nos proteger. Você deve
ter vagado o dia inteiro. Meu nome é Laura, só que me chamam de Laurinha.
- Proteger? Explique. E sua família onde está?
- Meu pai morreu e minha mãe conseguiu fugir com meu irmãozinho, junto
com outras pessoas. Vou te explicar. Há dois meses, todo mundo começou a ficar
diferente. Os sentimentos ruins aumentaram. Então, começaram a matar umas as
outras por causa desses sentimentos.
- Estou confuso, Laurinha.
- Vamos sair daqui. Vai escurecer. Tem uma casa logo ali abandonada onde
me escondo. Lá é seguro e pela janela você verá quem são eles.
Jorginho, assustado com a história daquela garotinha, não pensa duas
vezes, pega a mão da menina enquanto segura o cachorro no outro braço. Eles
seguem para a tal casa.
- Pronto, aqui estamos seguros, vamos ficar na janela. Quando escurecer,
você vai enxergar o mal. Meu pai morreu justamente porque não conseguiu dominar
o mal.
- Morreu de quê?
- Ele morreu por causa das mentiras que contava. Sempre fazia isso, até
que uma pessoa se vingou dele, pois a mentira do meu pai afetou o assassino. Da
mesma maneira, outros foram morrendo por algo ruim que existia dentro deles.
Uns matavam por sede de vingança; outros, por depressão. Quem roubava ou
estuprava era apedrejado na rua. As pessoas buscaram justiça com as próprias
mãos. Cansaram-se da impunidade deste país. A partir daí, todos estavam
matando, destruindo, saqueando lojas. Poucos sobreviveram. Os que conseguiram
viver fugiram para as montanhas para se esconder.
- E o que houve com você? Por que não foi com sua mãe e irmão?
- Desci do carro sem ela ver e corri para casa. Tentei salvar meu pai,
mas já era tarde demais. Quando voltei, minha mãe tinha ido. Shiii...silêncio!
Escureceu e eles vão passar. Pela janela poderá ver. Por favor, quando eles chegarem,
não pense em coisas ruins. Pense na sua família, em coisas boas. Pois pelos
seus pensamentos ruins eles te acham.
O coração de Jorginho acelera naquele momento porque não entende o que a
garotinha fala. Olha para o relógio em seu pulso. Era sete da noite. Tudo escuro
lá fora. De repente, vê ao longe uma fumaça preta vindo pela esquina. Começa a
suar, seu corpo passa a tremer. Sente algo ruim. Nunca havia sentido aquilo
antes. Era como se a morte se aproximasse e fosse levá-lo dali. Ele engole seco
e seus olhos se arregalam.
- Meu Deus, o que é aquilo? - pergunta para Laurinha.
- Silêncio, fale baixo. Não deixe eles te ouvirem.
Vem um frio na barriga. Jorginho se sente como se estivesse anestesiado.
Tem vontade de chorar e gritar. Fecha os olhos por um segundo e pensa em sua família,
amigos e namorada. Abre os olhos e...
- O que é isso?
Dentro da fumaça escura, vários olhos vermelhos em chamas. E dentes
pontiagudos. Um cheiro forte e horrível. Vários pensamentos lhe ocorrem quando
aquilo se aproxima: medo, angustia, terror e ódio.
- Feche os olhos e pense em alguma coisa boa, pense no amor. Diz a
garotinha.
Jorginho segue seu conselho, pois está aterrorizado. Nunca havia sentido
tanto medo em toda a sua vida. Com os olhos fechados, pergunta:
- Esse é o mal?
- Sim. Tudo aquilo de ruim que existe dentro do homem. Quando este mal sai
de dentro para fora, vem e te consome. Os olhos de chama são todos os que foram
consumidos pelo mal. Pense em coisas boas, quando algo ruim entrar em seu
coração, pense no amor, para que você não se torne um deles.
Jorginho, ainda tremendo de medo, não tem coragem de abrir os olhos. Mas
ele escuta uma voz, que não é dá garotinha:
- Jorge, abra os olhos.
Com muita dificuldade, abre os olhos. Leva um susto e percebe que
existem pessoas ao seu lado. Seus pais estão na ponta da cama. Ele, ali,
deitado com um soro em seu braço. Assustado, pergunta:
- Cadê ela, onde está a garotinha?
Todos no quarto se olham. Ele percebe, então, que está em um quarto de
hospital, e ao seu redor há um médico, duas enfermeiras e seus pais. Se sente
tonto novamente, uma sensação estranha e ao mesmo tempo um alivio. Então, o
médico ao lado da cama responde:
- Você estava em coma há dois meses. Não deve lembrar direito,
porém veio pra cá quase sem vida. Estava em um bar, brigou com uma pessoa,
machucou essa pessoa. Pegou o carro totalmente alcoolizado, bateu em outro
carro onde havia uma mãe com duas crianças, um menino com um pouco a mais de
dois anos e uma menina de oito anos. Seu carro capotou, teve traumatismo
craniano e entrou em coma.
- E a mãe com os filhos, o que aconteceu com eles?
- A mãe e o menino estão bem. Mas a garotinha não resistiu.
Jorginho entra em pânico e logo se lembra da garotinha do seu sonho ou
pesadelo que parecia real.
- Doutor, qual era o nome da garotinha? - pergunta Jorginho em lágrimas.
- Laura.

Comentários
Postar um comentário