JORGE pra sempre VERÃO
Narrativa fictícia
permeada de fatos verídicos da trajetória do grande artista Jorge Laffond (1952-2003). A montagem tem direção de
Rodrigo França para texto de Aline Mohamad, prima de Laffond
Foi com o intuito de
realizar um teatro de cura que a produtora e autora da peça
Aline Mohamad resolveu abrir seus arquivos mais íntimos para criar o
espetáculo. Após temporadas de sucesso no Rio de Janeiro e em São Paulo e
passagens por festivais como o Velha Joana, em Primavera do Leste (MS), “JORGE
pra sempre VERÃO” chega ao Teatro do CCBB Brasília, onde cumpre temporada de 03
a 21 de maio.
Dirigida por Rodrigo França,
a história encenada por Alexandre Mitre, Aretha Sadick (stand in Joa
Assumpção), e Noemia Oliveira (stand in Érika Marinho), não fala
apenas sobre a obra do artista, mas apresenta uma ficção desenvolvida a partir
de sua biografia. A ideia de escrever o texto, a primeira obra teatral de Aline
Mohamad e em parceria com Diego do Subúrbio, nasceu após ela redigir uma carta
póstuma a seu primo Laffond, falecido precocemente aos 51 anos.
“Um dia, ao voltar de uma
festa onde me vi atraída por uma travesti, escrevi uma carta que nunca seria
entregue ao destinatário. Nela, um pedido de desculpas, uma redenção, uma luz
nos diversos vínculos que eu tenho com meu primo Jorge Laffond. Muito
emocionada, a enviei para alguns amigos e, ao acordar, li as respostas: você
tem uma linda peça nas mãos. E assim percebi que a única forma de eu encontrar
com meu primo seria através da arte”, relembra Aline, que ao longo de sua
infância se esquivou de conhecê-lo.
“Fizemos uma reparação
histórica, humanizando um dos maiores artistas deste país”, sugere o diretor
Rodrigo. Jorge Laffond passou por grandes dilemas na história da televisão
brasileira e retrata o que é o país em relação à população negra e LGBTQIAP+.
Entes eles, a violência de ter que sair do estúdio, para trocar de roupa, pois
um padre lá entraria, “um retrato do quão cruel é sermos nós mesmos”, afirma o
diretor, que reflete: “pouco importa titulação acadêmica, conta bancária, o que
é ou fez pela sociedade, em algum momento tentarão colocar no lugar que
acreditam que uma pessoa preta deva estar - na submissão”.
Apesar dos registros sobre a
realidade nada fácil vivida por Laffond, o texto tem pontos de respiro com base
no humor desse ícone da representatividade negra e LGBTQIAP+. Para Diego do
Subúrbio, autor da peça junto com Aline, “o processo da escrita veio muito da
pesquisa sobre a vida Laffond, que encontra a mesma encruzilhada que a minha e
de tantas outras pessoas negras LGBTQIAP+. Porém, inclusive, é lembrar que,
apesar de todo o processo de resistência que vivemos, não somos regidos somente
pela dor. A figura de Jorge Laffond marcou uma geração, nos movendo até aqui.
Falar dele é também falar sobre mim”, reconhece.
Nascido em Laranjeiras, Zona
Sul da cidade do Rio de Janeiro, e criado na Penha, Zona Norte, o furacão
Laffond disse certa vez que tinha consciência de ser gay desde os seis anos de
idade, mas por ser algo considerado ‘muito feio’ à época, fez de tudo para que
seus pais não descobrissem. Formou-se em teatro, pela Uni-Rio, e em dança afro
e balé clássico, tendo contracenado com Mercedes Batista, a primeira bailarina
negra a integrar o corpo de baile do Theatro Municipal do Rio de Janeiro.
Historicamente, o movimento
LGBTQIAP+ sempre foi encabeçado por pessoas pretas como Marsha P. Johnson, uma
mulher trans negra norte-americana, que liderou a Rebelião de Stonewall em
1969. Enquanto no Brasil, Jorge Laffond estimulou que muita gente tivesse
coragem para externar aquilo que realmente é na vida. “Estamos falando de um
homem negro retinto, afeminado, com mais de dois metros de altura e vestido de
mulher na televisão brasileira. Nele, havia mais do que talento, havia
estratégia inteligente, mas óbvio que não teve uma vida fácil”, observa
Rodrigo.
Em cena, Jorge é apresentado
em toda sua potente força autônoma, apesar da opressão social a quem ele foi,
ao mesmo tempo, uma pessoa exótica e diversão para a família tradicional
brasileira. “Tangencial a disso, Silvio de Almeida conceituou o Racismo
Recreativo. Fazendo uma livre ressignificação do termo, enxergar Jorge como o
gay divertido nos mostra uma Homofobia Recreativa. Sempre foi aceito rir dos
gays, tê-los como amigos apenas para os momentos de risada, mas nunca para
ouvir suas dores. Jorge já trazia em si muitas dores e estereótipos. Era o
negão lindo e hiperssexualizado, e, ao mesmo tempo, chamar alguém de Jorge
Laffond ou Vera Verão era ofender a pessoa por ela ser afeminada”, demarca
Aline.
Para Rodrigo França, num
espetáculo de denúncia é importante falar de cura. “A plateia tem que sair com
esperança – o que não significa facilitar para o espectador. Jogamos duro, mas
optamos por também mostrar o contraponto da violência. Jorge teve amigos e
familiares amorosos, e realizou uma contribuição extraordinária à cultura. Ele
estava fazendo uma grande revolução. Sou um diretor com compromisso com a
sociedade e, para mim, entretenimento é de grande responsabilidade na formação
ou deformação de quem faz e assiste. O teatro não dá conta de modificar uma
estrutura social, mas pode trazer reflexões. Se quem assistir sair tocado pela
narrativa que construímos, já me sentirei realizado”, ressalta o diretor, que
se reconhece forjado por esse profissional que pouca gente conhece com
profundidade.
| Foto: Rai do Vale |
Aline entendeu que era exatamente sobre isso: um teatro de cura. “Não me vejo apenas como a prima, mas como uma pessoa da sociedade. Uma sociedade doente que resolve cortar laços com sua família apenas por vergonha de olhar para as suas feridas. Jorge é uma figura extremamente importante na construção dos nossos corpos. Sua forma livre, verdadeira, mostrou a hipocrisia presente em nossas vidas na forma de alegria divina. Seu jeito sincero, genuíno, real, possibilitou que vários corpos de hoje existissem da maneira que são. A sensação é de cura, de redenção”, finaliza.
Sobre o CCBB Brasília
O Centro Cultural Banco do Brasil Brasília foi
inaugurado em 12 outubro de 2000, após uma grande reforma de adaptação do
Edifício Tancredo Neves, com o objetivo de reunir em um só lugar todas as
formas de demonstração de arte e criatividade possíveis, para levá-las ao
público da capital.
O edifício Presidente Tancredo Neves faz parte de um conjunto de obras arquitetônicas assinadas por Oscar Niemeyer. Com o seu imenso projeto paisagístico, idealizado por Alda Rabello Cunha, o prédio conta com amplos espaços de convivência, café, restaurante, galerias, sala de cinema, teatro, salas multiuso, jardins e uma praça central para eventos abertos, onde são realizados shows, espetáculos e performances.
Serviço:
“JORGE pra sempre VERÃO”
Local: Teatro do Centro Cultural
Banco do Brasil Brasília
Endereço: SCES Trecho 02
Lote 22 – Edif. Presidente Tancredo Neves – Setor de Clubes Espacial Sul –
Brasília - DF
Temporada: de 03 a 21 de
maio de 2023
Horários: de quarta a sábado, às
20h, e domingo, às 19h
Ingresso: R$ 30,00 (inteira), e
R$ 15 (a meia para estudantes, professores, profissionais da saúde, pessoa com
deficiência (e acompanhante, quando indispensável para locomoção), adultos
maiores de 60 anos e clientes BB), à venda em www.bb.com.br/cultura ou na bilheteria do
CCBB Brasília
Duração: 75 minutos
Classificação indicativa:
recomendado para maiores de 14 anos
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